quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Canção de um Filhote de Lobo do Deserto

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Canção de um Filhote de Lobo do Deserto



Não faço idéia do que aconteceu. Tudo que percebi foi um gemido agudo e, após isso, um Lobo do Deserto caído no chão. Quase ao mesmo instante, a alcatéia inteira partiu para cima de um homem, suposto atacante. Os menores, inclusive eu, nos escondíamos ou ficávamos ao lado das mães.

A batalha foi mais difícil e duradoura do que costumava ser. Afinal, aquele homem matou nosso companheiro antes mesmo que qualquer um de nós percebêssemos algo anormal. Embora estávamos com um número esmagadoramente maior, o invasor não parecia se incomodar com isso. Continuava esquivando nossos golpes, enquanto dava flechadas certeiras. Uma das flechas acertou as costas de meu irmãozinho. Mamãe lambia seu ferimento, como se isso fosse capaz de curá-lo, ou pelo menos atenuar sua dor. Ajudei passando a língua no outro lado. Gosto salgado, com um leve cheiro de ferro. Não adiantou. Segundos depois, ele não mais mexia-se. Mas continuávamos lambendo. Mais tarde, mamãe também caiu no chão. Toda a alcatéia tinha sido destruída.

O homem me viu, mas logo mostrou desinteresse. Talvez porque não apresentava ameaça para ele. Guardou o arco nas costas, e sacou uma adaga. Começou a extrair o couro e as garras dos lobos abatidos, e guardá-los num bolso. A cena era aterrorizante. O cheiro dos restos sangrentos castigava meu nariz. Mas não ousei sair de lá. Observava-o cortando e retirando o que era de seu interesse. Depois, com seu trabalho concluído, olhou novamente para cá. Gritou algo, e mostrou-se confuso. Fez um gesto, e me esperou. Não sei como o interpretei naquela hora, mas segui aquele homem.

Dias passaram-se. Ele agia como se eu não estivesse ao seu lado. De vez em quando, jogava os restos de sua comida para mim. Nem eu nem ele ameaçava o outro. Nem brincava, nem atrapalhava, nem ajudava. Apenas seguíamos o mesmo caminho, mas não nos interferíamos. Eu ainda era pequeno, e ele era forte. Tinha certeza de que, ao seu lado, estaria mais seguro.

Porém, tempos depois, as coisas mudaram. Todas as minhas ações passaram-se a ser restringidas. Ele passou uma corrente no meu pescoço, tão pesada, que tive a impressão de sufocar-se. A corrente estava sempre amarrada a algo, ou simplesmente levava na sua mão. Apenas me soltava uma vez por dia, para que pudesse caçar minha própria comida, pois também havia parado de me alimentar. De vez em quando, me dava pancadas, chutes, mas não compreendia o motivo. Mesmo assim, eu sempre voltava. Afinal, já não tinha mais para onde ir.

Uma vez, consegui caçar um Tarou rechonchudo, carnudo, e resolvi presenteá-lo. Mas no momento em que achou o Tarou na sua cama, ele passou a berrar nervosamente. Mas não o compreendia. Naquele dia, fui espancado até desmaiar três vezes seguidos. E passei dois dias sem comer.

Com o passar do tempo, finalmente comecei a compreendê-lo. “Dono” seria ele, “cachorro”, quando me chamava, entre muitos outros. Também descobri alguns jeitos de agradá-lo. Ajudava na caça, atacava a pessoa com quem ele gritava ou encarava feio, pegava despercebidamente sacos e bolsas mal cheirosos de outros... Não entendo o porquê do “dono” gostar tanto desses pedaços de folhas estranhos e pedrinhas redondas, que ele os chamava de “zeny”. Não se come, não se usa, apenas se guarda; não compreendo sua utilidade. Mas quanto mais eu pegava, mais feliz ele ficava, e ganhava minha recompensa, normalmente um pedaço suculento de carne. O trabalho de arrumá-lo era relativamente fácil para mim, já que o distinto cheiro do “zeny” era sentido de longe.

Recentemente, estamos sendo perseguidos por estranhos, vestidos de marrom ou de armaduras grandes e brilhantes. Mas para mim não fazia diferença alguma. Apenas continuo atacando os que apresentarem ameaça ao “dono”. Sempre se assustavam, pois nunca imaginariam que eu fosse pular tão alto, mordendo já no pescoço deles. Hoje mesmo matamos mais um desses perseguidores, e tiramos os carrinhos e bolsas de alguns que passavam por perto nas horas vagas.

Enquanto “dono” ria e tirava os pertences da nossa quinta vítima do dia, os perseguidores surgiram novamente. Desta vez, estão em um número bem maior, cercando-nos em um círculo. “Dono” fez uma cara feia. E a batalha começou.

“Dono” escondeu-se debaixo da terra. Era um de seus truques favoritos. Para que não o descubram, corri pelo lado contrário, e ataquei um dos desprevenidos. O mesmo gosto salgado e cheiro de ferro, como inúmeras outras vezes anteriores. Logo, os outros perseguidores tiravam suas espadas e apontavam para mim.

Agia como as outras vezes, tendo a experiência guiando-me a atacar os pontos onde normalmente eram mais vulneráveis. Mas, desta vez, algo diferente aconteceu. Ouvi um berro, e, em seguida, “dono” caído no chão, com uma espada cravada em seu peito. Imediatamente, corri para lá.

Sua expressão na cara parecia endurecer-se. Seus olhos, vazios. Seu corpo, imóvel. Já não tinha como prender-me ao seu lado. Talvez seja a chance de eu finalmente livrar-se dele? Sem mais ter medo de receber socos quando anda mal humorado, ou ficar sem comer por dias? Sem mais precisar morder alguém sem motivo, ou castigar meu nariz com esses “zenys” e bebidas mal cheirosas? Finalmente, livre?

Não sei o porquê, mas comecei a passar a língua em seu ferimento. O mesmo gosto enjoativo de sempre. Não parava de sangrar-se. Algumas manchas ficavam cada vez mais escuras. Sua pele, cada vez mais fria e pálida. Não parei. O silêncio imperou. Ninguém falava, ninguém discutia, ninguém atacava. Apenas nos olhavam.

De repente, algo gelado e afiado perfurou meu corpo. Doloroso, mas tentei ignorá-lo. Apenas continuava lambendo “dono”, como se isso fosse a única coisa que me importasse naquele momento. Sentia-me cada vez mais frio e cansado, e meus olhos ficarem pesados. Logo, meu corpo não mais permitia-me a continuar.

Abriguei-me entre seu braço e seu peito, compartilhando o pouco de calor que ainda nos sobrava. Desculpa, mas estou sentindo sono. Muito sono. Passei a língua em seu rosto pela última vez, e fechei os olhos.

Boa noite, querido “dono”.


Fim.

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